Velho,
mas Capaz
Que o preconceito contra a pior idade existe, isso não há como negar. Tal como o preconceito
racial, religioso, político e tantos mais. Mas para nós, os da geriatria, o que
interessa, principalmente neste blog, é o preconceito contra os que passaram dos
sessenta invernos.
A manifestação do dito preconceito pode ser clara, direta, intencional,
maldosa e humilhante. Também pode ser velada, sutil ou apenas manifestação
espontânea do que as pessoas têm dentro de suas mentes, não muito arejadas.
Pois o velhinho aqui, por muito bem aposentado, continua na
ativa. Isto porque que o tal salário mínimo com que fui condenado a viver até
passar desta para melhor ou pior não dá para muita coisa. Fosse eu um pior idade usando medicação contínua,
acho que já deveria estar pensando na incomodação à família com as despesas de funeral.
Sim, porque ou comeria ou tomaria os tais medicamentos ...
Pois bem, como sou fotógrafo especializado em fotos aéreas,
acabei brevetando-me como piloto privado e, por questão de sobrevivência no mercado, mesmo na terceira idade, tive que me tornar piloto de drone. Não sou, assim, uma Brastemp em nenhum dos
casos, mas dou para o gasto.
Claro que pilotar avião ou até mesmo um drone profissional
exige preparo, capacitação, disciplina, sangue-frio e um monte de outras
qualidades que a maioria de nós possui, mesmo depois da chegada à idade sex.
Sexagenária.
Como dizia, o sexagenário continua fazendo seus voos e fotos.
De teco-teco e de drone.
E, num de meus trabalhos aconteceu o seguinte:
Após
haver realizado o voo com o drone e feito fotos de boa qualidade, fui à sede da
empresa contratante, cujos campos experimentais e de pesquisa fotografara.
Chegando lá, a recepcionista atendeu-me dentro dos conformes
e pediu para aguardar o atendimento pela diretora e uma outra jovem senhora, cuja função não lembro mais, por
causa da minha idade ...
Começamos a conversa, mostrei as fotos, gostaram muito e a
que não era diretora, sem mais nem menos, elogiou-me:
- Meus parabéns! As fotos ficaram excelentes. Foi o senhor
mesmo quem fez?
Notem bem: aí já vinha o preconceito não tão explícito.
Para aquela que não
era a diretora, um velho, vestindo bombacha e bota, só poderia ser um baita
grosso, burro, mentecapto, incapaz de fazer um drone decolar e voltar ao ponto
de partida.
Só que não ficou por aí: quando afirmei que sim, continuou a
manifestação de desvalor ao velhito aqui:
- Realmente, merece minha admiração. Eu, que sou eu, não me
animo a pilotar um drone!
Captaram? Eu que sou eu!
Como se ela fosse uma Madame Curie, Simone de Beauvoir e
tantas outras mulheres realmente geniais e acima de nós, simples mortais.
Mas, claro, ela não falara por se achar superdotada ou coisa
assim. Sem querer expressara a incredulidade para com a capacitação dum velho
sexagenário para tal tipo de
atividade.
Sou pavio curto uma barbaridade, mas pobre, também. Embora o
sangue tivesse subido todo para as orelhas, consegui dominar o pavio
incendiário e não dei a resposta que merecia, pois a que era diretora tinha dito que ia comprar duas ampliações, que, traduzidas
em pilas, me fariam muito bem à combalida conta bancária.
A que era diretora
perdeu o rebolado e disfarçou, tentando mudar o rumo da prosa, perguntando
sobre o tipo de moldura, prazo de entrega, essas coisas.
Mas o que o velhinho aqui queria, mesmo, era saber da não diretora, a partir da imponência e
grandeza de seus trinta e poucos anos o que “ela que era ela tinha,
assim, de tão excepcional”.
Delicadamente, achei jeito de dizer que, além de drone,
pilotava o avião e fotografava,
simultaneamente, há mais de vinte anos, que já levara a bom termo, com perícia
(e sorte), o enfrentamento de sete
pousos de emergência, por pane de motor. Que, embora tivesse optado pela fotografia,
também era advogado formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Enfim, fiz-lhe ver educadamente, que ter trinta anos pode ser uma característica,
nunca uma qualidade.
Ela, que era ela, nada tinha a mais do que eu ou quem quer que
fosse, homem ou mulher.
E por falar em homem e mulher, dada a agressão
preconceituosa sofrida, com o sangue fervendo, quase que deixo escapar:
- Sim, sou grosso de bota e bombacha, tenho mais de sessenta
anos e além de pilotar drone e avião, ainda
consigo fazer coisas que muito guri de trinta e poucos não faz direito. E estou à disposição para provar...
Mas não disse, graças à educação que a Dona Lourdes e o seu
Hilário me deram, mas que ela merecia, isto merecia.
Genial, mostrei para minha mãe que também escreve, disse que gostaria que soubesses o quanto que ela gostou e se identificou.
ResponderExcluir